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Carta aos meus orientandos



Recife, 03 de agosto de 2020.


Caros orientandos,


Espero que esta carta os encontre bem, seguros e ao lado de quem importa. Por aqui cheguei naquele período de entressafra: acabou 2020.1 e já escuto os sinais de 2020.2. Entre os semestres letivos eu sempre crio expectativas quanto ao novo ciclo de orientações, fico querendo saber sobre as ideias dos alunos que me chamarão para fazer parte desta etapa. É uma época em que aproveito pra repensar algumas posturas e, especialmente neste contexto de pandemia, tenho refletido sobre meu papel. Afinal, o que é orientar um aluno de arquitetura no seu TCC?


Orientar é um desafio. Receber um pedido de orientação é lisonjeiro, mas traz junto questionamentos, pois, se eu serei orientadora, preciso dividir meu conhecimento sobre aquele tema com o aluno. Isso é divertido na maior parte do tempo, mas, nesse semestre, o desafio se estendeu ao contato exclusivo por telas e isso mexeu um pouquinho com meu orgulho de professora. Entendi que se estava difícil pra mim, que já tenho certa experiência e maleabilidade (todo professor tem, está no nosso DNA) também não seria tranquilo para vocês, que num momento tão importante e definidor, desenvolveriam um TCC longe dos amigos de curso, da segurança das paredes da faculdade e das orientações feitas pessoalmente. Foi rojão. Eu sei.


Orientar é se importar. Sei que tem orientador de todo tipo, dos mais desapegados aos mais exigentes. Os que se envolvem demais e os que soltam a mão de vocês para que voem sozinhos. Eu sou uma orientadora chata e isso me define em muitos outros aspectos da vida. Sou muito exigente com as minhas coisas e, quando assumo a responsabilidade de orientar um TCC, aquela coisa se torna minha também. Então eu cobro, exijo e puxo porque espero o melhor de vocês e confio que vão me entregar o que é necessário. Já me senti mal por ser assim, mas, com o tempo, entendi que essa é a minha maneira de mostrar pra vocês que me importo. É importante pra mim que vocês mostrem seu talento, que sejam estimulados a ir além. Também tento ser próxima, me colocando disponível para que vocês falem de outros assuntos, pois sei que a gente precisa se apoiar e minhas figurinhas no Whatsapp são a melhor maneira de dizer que TCC pode (e deve) ser leve. Mas, sobretudo, sou uma orientadora babona, que vibra com cada resultado positivo e sofre quando não vê o reconhecimento que vocês merecem. Isso acontece, em banca a gente não manda. Mas dói, ah dói muito... E quando acontece eu faço a única coisa razoável: choro com vocês e repenso qual o meu lugar nesse cenário. Nem sempre tenho as respostas, mas a gente segue buscando.


Orientar é acolher. Pra mim, foi desafiador. Por vezes até desesperador. A sobrecarga mental e a preocupação constante de atender o que vocês esperavam foram duras. A ansiedade de cumprir bem esse papel era sufocante... E infelizmente neste semestre doido que encerramos vi alguns alunos se distanciando do TCC e sofrendo demais por isso. Foram problemas pessoais, casos de adoecimento e muita ansiedade. E, enquanto orientadora, entendo que meu papel era o de amparar e aconselhar vocês para que os objetivos traçados no início do semestre fossem alcançados. Mas, para além da orientadora de vocês tinha aqui desse lado uma mulher sofrendo pressão de vários lados, preocupada com ela mesma e com todos os que lhe eram importantes, vocês inclusos, claro.

E, por isso, talvez tenham ficado alguns buracos nessa nossa estrada. A comunicação pode ter falhado, o meu cansaço pode ter falado mais alto do que deveria, pois o trabalho remoto nos afastou fisicamente, mas me aproximou uma série de preocupações. Por isso, quero me desculpar por qualquer coisa. Mesmo!


Orientar é aprender. E como desculpas sem atitude não contam muito, escrevo essa carta para que a gente se entenda. Eu sei que é difícil atender as minhas expectativas, as expectativas da banca, da sociedade... Ainda vivemos sob um véu de incertezas, talvez o mundo que a gente conhecia nem exista mais. Entretanto, a necessidade da elaboração do TCC segue e precisamos nos organizar para que tudo corra bem. Sendo assim, quis mostrar pra vocês que estamos juntos nessa, cada um com suas dores e alegrias, mas todos olhando pra mesma direção: a conclusão do curso e consequente sucesso de vocês!


Orientar é se comprometer. Daqui, me comprometo a ouvir mais. Acho que incentivar que seus talentos apareçam é importante, mas também acho que preciso saber mais sobre o que vocês pensam e acreditam. Se a arquitetura é feita para as pessoas o curso de arquitetura também deve ser. De vocês eu espero muito mais paixão. Quero que vocês descubram nos seus trabalhos aquele motivo pelo qual escolheram ser arquitetas e arquitetos. Pensem em como suas pesquisas vão ajudar estudantes que virão, serão aproveitadas pelas pessoas e servirão às nossas cidades. E quando os frutos forem colhidos eu terei muito orgulho de ter participado dessa formação.

Espero que tenhamos um semestre feliz, produtivo, enriquecedor, apaixonante. Cuidem de vocês e do que é importante. Estarei aqui.


Com carinho,


Prof. Josiane Andrade



(Que em breve nossas comemorações sejam presenciais e com direito a todas as lágrimas e abraços que temos direito)


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