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Sobre ensinar arquitetura no meio de uma pandemia

Um registro de como trocamos, relutantes, o lápis e o papel pelo computador e do porque isto não pode ser definitivo.




Quando tive a ideia de escrever este texto, eu estava corrigindo uma "pilha imaginária" de trabalhos e esse momento me faz lembrar da saudade que eu sinto de ter uma pilha real e impressa em cima da minha mesa (que me perdoem as florestas...). Por mais que a tecnologia tenha criado uma série de instrumentos para riscar, comentar, marcar sobre arquivos digitais, um arquitete sabe que não é a mesma coisa.


O exercício de "plotar", por exemplo, faz parte do aprendizado. Ele te faz entender de escala, proporção, representação... Quantas vezes você não se chateou com aquela layer que acabou saindo com espessura errada, ou clarinha demais? Perder aqueles pontos te fez lembrar como a comunicação é importante e te dá um recado de que, na vida real, a punição por um erro assim costuma custar mais caro que uma nota abaixo da média.


E o assessoramento? Era mais fácil poder riscar por cima, com caneta hidrográfica, com um traço expressivo que não deixa margem para dúvidas. A geração de arquitetes da qual eu faço parte aprendeu a "falar riscando", aprendemos assim com os que vieram antes de nós, e assim a gente ensina os próximos a repetir como um mantra:


"O meu desenho tem que falar por mim."

Lembro das vezes que defendi em sala de aula o rolinho de papel manteiga. Advoguei com veemência em favor do estojo com lápis e marcadores. Fui a defensora fiel do "escalímetro é instrumento de medir e não de riscar". (Falando nisso, por onde anda seu escalímetro?)... Bons tempos.... tempos que precisam voltar pelo bem de todos - e isto não é uma figura de linguagem.


É imprescindível entender que o ensino a distância em arquitetura, mesmo aquele remoto com o professor em tempo real na sala de aula virtual, deve ser um recurso emergencial e temporário.

Não é uma revolução digital que o curso está passando. Não é o jeito novo de se aprender arquitetura. É, tão somente, o melhor que podemos fazer num momento em que o mundo já perdeu quase um milhão e meio de vidas. Como diria nosso saudoso Oscar Niemeyer:


"A vida é importante; a Arquitetura não é. Até é bom saber das coisas da cultura, da pintura, da arte. Mas não é essencial. Essencial é o bom comportamento do homem diante da vida."

Talvez seja essa uma das tantas lições. A lição de deixar de lado por algum momento o rigor que nossa prática impõe e priorizar aquilo que deve ser o objetivo da arquitetura e do urbanismo: melhorar a vida das pessoas.


 

Como também lecionei disciplinas de história e teoria nestes semestres de 2020 ouvi impacientemente que estas disciplinas não foram afetadas pelo modelo remoto. Eu reconheço que diante dos prejuízos trazidos às disciplinas práticas, as disciplinas teóricas tiveram vantagem. Mas essa vantagem só é muito significativa se você descola a teoria e história da arquitetura do exercício da crítica.


As reflexões sobre os fatos e teorias são parte essencial do ensino e aprendizagem das disciplinas de história da arquitetura, e este quesito foi sensivelmente prejudicado pelo distanciamento gerado em uma sala de aula virtual. Quando se está em um modelo presencial, perguntas e argumentos surgem de maneira espontânea na sala de aula. No modelo remoto o aluno precisa, além de vencer a timidez, ligar o microfone e iniciar uma interação com alguém que está estabelecendo um contato indireto com ele. Ou seja, alunos, nós entendemos seu silêncio, suas câmeras desligadas, suas dificuldades e seu desânimo. Mas, esse texto é para dizer que estamos juntos e que admiramos vocês mais do que possam imaginar.


Obrigada por tanto nestes dois semestres. Sigo na esperança de revê-los, mas certa de que estamos fazendo o melhor que podemos nestes meses para nossa segurança e pela de vcs <3.


Patricia.

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