Uma vitrinista, um designer e uma cidade. Esses são os personagens principais de Medianeras, um filme de 2011 que fala muito sobre o que estamos vivendo neste 2020. Entre discussões evidentes sobre como a tecnologia ao nos aproximar acaba nos afastando e sobre como ao estarmos imersos no nosso próprio mundo acabamos não enxergando quem está por perto, o filme fala muito sobre solidão e isolamento.
Mariana é uma arquiteta que trabalha montando vitrines e, ao terminar um namoro vai viver sozinha num apartamento onde revela que os livros da série “Onde está Wally?” são uma maneira de passar o tempo. Martin é um designer que vive com seu cachorro, que era da namorada que os deixa para viver nos Estados Unidos. Ele vive conectado e todas as suas atividades, desde compras até sexo são feitas virtualmente (qualquer semelhança com o que vivemos desde março talvez não seja coincidência).

Um dos desencontros de Martin e Mariana por Buenos Aires.
As histórias dos dois se passam em Buenos Aires, uma cidade que, como tantas outras, têm seu desenvolvimento urbano associado a alguns dilemas sociais. A verticalização, o adensamento, os interesses do mercado imobiliário... tudo isso aparece como pano de fundo para aquela que eu entendo como a principal questão do filme: a solidão. Tanto a de seus protagonistas quanto a solidão urbana, vivida por tanta gente que embora tenha outras pessoas ao redor não se sente parte de canto nenhum. Sempre falta alguma coisa. Percebemos em Mariana e Martin características depressivas, ansiosas e de muita frustração. Esse é um traço do filme que me leva diretamente para a diferença entre quem somos nas redes sociais e quem somos verdadeiramente, quando ninguém olha.
A maneira como o filme liga a arquitetura ao relacionamento que essas pessoas têm entre si e com a cidade é muito importante para a história. Discute-se sobre como os espaços livres públicos são subaproveitados, como os prédios de Buenos Aires estão cada vez mais altos e sobre como algumas irregularidades urbanísticas podem dar o tom da estética da cidade (o nome do filme vem justamente de um “jeitinho argentino” de burlar a obrigatoriedade da ausência de janelas em algumas paredes). A necessidade da claridade adentrando as casas é escancarada pela presença das janelas nas medianeras, mostrando pra gente mesmo com o mundo ao alcance das mãos via internet ainda precisamos de contato com o mundo lá fora. E quando essas janelas se abrem coisas boas acontecem (mas sem spoiler).

Algumas das janelas nas medianeras. Têm outras icônicas que aparecem ao longo da trama.
Passar tanto tempo em isolamento, por necessidade e escolha (sem arrependimentos) transformou a internet na nossa casa. E Medianeras nos fala bastante sobre como somos afetados pelos espaços que ocupamos. E como tem quase 10 anos, a discussão trazida no filme não é nova. Se já nos relacionávamos, estudávamos, trabalhávamos e nos divertíamos online poderíamos pensar que seria tranquilo nos adaptar à realidade do isolamento necessário em virtude da pandemia. Por aqui não foi. Acho que por aí também não. Mas, com certeza, passar tanto tempo em casa nos fez repensar esse espaço e nossa relação com ele.
Pensar nesse filme me deixa inquieta e assistir de novo é um exercício que eu adoro fazer. A Buenos Aires de Martin e Mariana é viva e pulsante, apesar de tanta depressão e frustração destes seus moradores. Acho que a simbologia da quebra das paredes para que o sol entre é muito bonita e fala ao mesmo tempo sobre os problemas urbanos, sociais e sentimentais que enfrentamos vivendo numa cidade desenvolvida. Recomendo demais para quem quer pensar sobre a cidade, sobre a casa e sobre a gente.

Atualmente o filme está disponível na Globoplay.